domingo, 25 de dezembro de 2011

Fragmentos de uma vida




   Acendeu o castiçal e o trouxe para perto de Maya, tirou a adaga da gaveta do criado mudo, a lamina brilhou a chamas das velas, ele cortou o lábio inferior e a beijou, uma dor aguda, mais com ela um êxtase, algo que nunca tinha sentido antes.

   A mente de Maya parecia estar entrando em colapso, no pequeno instante entre a partida de Dagrian para pegar o castiçal até o beijo, ela vira como um filme macabro e perturbador a sua vida.

  Vários momentos passaram na frente, impossíveis de serem vivenciados por mais do que segundos. Tudo muito rápido, as visões, as vozes, os sentidos, os sentimentos... Tudo tão forte, tão rápido, tão desesperado!

  Um bosque a cercava... As folhas secas no chão faziam barulho ao serem pisoteadas por seus pés nus, tentou andar o mais suave possível ate pelo menos tomar uma distancia segura das luzes que emergiam das janelas do grande prédio antigo.

  Sabia que era poderia ser pega no ato a qualquer instante e que o castigo por fugir não seria suave e sem dor, mas mesmo assim continuou, seu coração pulsava muito forte como se quisesse sair pela boca.

  E em um instante não estava mais ali, estava em casa, chegara do colégio, chamara pela mãe, inutilmente, ela não estava mais ali, então viu o bilhete em cima da sua cama, e ao lado o camafeu.

  Lagrimas escorriam sem poder controlar, molhando o bilhete, e borrando as palavras, uma mistura de angustia, medo e solidão tomaram a pequena garota, e em um ato inconsciente amassara o papel que caiu no tapete, mudo e só.

   Agora ela subia na grande jabuticabeira que ficava próxima ao muro do Coração de Maria, o orfanato que tentara fugir desde o dia que chegara, e pulou. Estava do outro lado! Na avenida! Conseguira enfim sair! Estava livre para procura sua mãe! Olhou para o camafeu com carinho, e correu, correu o máximo que pôde para longe do primeiro lugar que realmente odiou.

   De repente estava em uma boate, mais não estava ali por acaso, há muito tempo tivera pistas sobre o que sua mãe andara envolvida, e parecia começar a entender finalmente porque ela não a levara para o lugar perigoso que disse no bilhete. A boate muito cheia estava lhe causando falta de ar, mais viu então o homem, ele não estava sozinho, estava com uma moça muito bonita, ia à direção a uma parte mais reservada da boate, lá havia grandes sofás, com cortinas vermelhas, que protegiam os seus ocupantes de olhares curiosos, ela viu o homem ir em direção aos sofás e fechar as cortinas, foi o mais rápido que pode para o sofá ao lado, e também fechou sua cortina, ela forçava os ouvidos para escutar a conversa:

- Você realmente me acha bonita Dagrian?

- Uma beleza estonteante, - disse com uma voz sedutora, mais logo seu tom de voz mudou abruptamente – Pena que não vai durar muito!

   O coração de Maya deu um pulo, mais ela precisava saber o que estava acontecendo, precisava saber se o que lhe contaram era verdade, então atravessou a mão alem da fresta da sua cortina e abriu a cortina onde eles estavam, e viu a cena.

   Ficou tão pálida como jamais sonhara, tudo que sempre soube caiu por terra, e as pistas que achava mais absurdas foram confirmadas. Vampiros.


   Estava em meio uma briga, sua primeira briga, sentia o ódio perfurando cada poro de seu corpo, dando mais força pra lutar. Era o camafeu que sua mãe lhe dera ninguém iria tirar ele dela. Ganhara a pequena batalha, mais sabia que aquela não seria a única, haveria outras e outras, mais agora sabia o que estava por vir, e sentia orgulho de si própria, por saber, em seu intimo que seu poder pessoal era maior do que imaginara.

    Um susto, do nada se sentia congelando, estava na chuva, na frente da casa de Dagrian, uma tempestade começava, ela tremia com o vento frio tocando em seu corpo encharcado. Ate que enfim uma mulher abriu a porta e a deixou entrar, estava confiante, apesar do medo que a assolava, a cena que vira na boate ainda passava em sua cabeça. Chegara ate uma sala e viu lá o mesmo homem da boate, ele estava de roupão, fora acordado para recebê-la, mais ela não estava nem um pouco preocupada se estava incomodando ou não, só queria respostas, não importa se elas no fim lhe custassem à vida, afinal, o seu objetivo desde que sua mãe a abandonara era de ter essas respostas. Nunca pensou no que faria depois que as conseguisse.

   Mais quando ele a encarou o medo lhe cortou como uma navalha, fina e fria.

_____

   Uma dor tomava seu corpo, sua cabeça parecia que ia rachar, e ela fez um esforço para poder se concentrar na voz que falava com ela.

- Bem vinda Maya, agora você é uma de nós. – Disse Dagrian com um largo sorriso.

    Maya percebia que seus sentidos pareciam muito mais aguçados, o peito que a aninhava parecia um corpo estranho e desconfortável, a voz que antes era doce, se tornou melosa e irritante, as conversas eram só dele, mal se expressava, só queria silencio, e ele sempre continuando a falar, queria lhe explicar o mundo, o mundo dele.

   A cabeça martelava em constante compasso, uma dor que nunca sentira percorria o seu corpo, tentava se projetar para outro lugar, não queria mais escutar, mesmo que ele estivesse falando da sua mãe... Era mais forte que ela.

   Uma noite bonita e estrelada era vista pela janela, se sentia presa, encurralada naquele lugar, queria ir pra casa, tomar distancia desse ser... A criança que existia dentro dela parece enfim ter despontado como uma dor absurda, furando sua armadura impenetrável, armadura que custou a conseguir, que a ajudara a sobreviver. Um novo começo? Seria sua chance de se vingar? Não sabia, mais tinha uma vontade explosiva de encarar sua nova vida! Ou melhor... Sua não-vida!

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